Santem, Indonésia 1949
Investigações sobre a morte de Kur Hants são reabertas por jornalistas amigos do fotógrafo, o grupo que presenciou a cena do corpo dilacerado não se contentava com a hipótese de suicídio e muito menos assassinato com aquele grau de violência sem uma explicação lógica.
Na época o caso foi considerado assassinato pela polícia, arquivado e esquecido pelas autoridades, permanecendo apenas a lenda urbana do fantasma de Katrin Malen.
Hospital de Santem 1948
Horas se passaram o corpo de Kur já exalava um odor fétido, o sangue que ainda escorria da perfuração em seu peito, começava a escurecer, formando um grande círculo a sua volta, a cena tornou-se mais pavorosa ao ser observada pelo reflexo em um espelho muito grande e antigo que decorava o corredor.
Os olhos do fotógrafo estavam saltados, como se algo muito aterrorizante o tivesse afetado, sua alma parecia presa em seu corpo mutilado, algo extremamente atormentador pairava sobre o ambiente.
Os policiais e agentes que investigavam o caso no momento se atentaram a um detalhe que por pouco não passou despercebido, a mão direita de Kur estava repleta de sangue, entre suas unhas grandes, motivo de piadinhas entre os colegas, mas que ele pouco se importava, pois com elas era possível realizar muitas atividades artísticas no qual dedicava quase todo seu tempo livre, pintando lindos quadros e realizando trabalhos magníficos com as fotos que registrava eventualmente e durante seu trabalho, os peritos detectaram a presença de tecido da pele humana, tudo indicava naquele momento que o próprio Kur teria se violentado, provocando a própria morte.
O fato era intrigante, se o próprio Kur havia se suicidado onde então seu coração estaria e principalmente como haveria forças para tamanha brutalidade consigo.
As autoridades locais abafaram o caso na época, a lenda de Katrin Malen se espalhou por toda a região e em muito pouco tempo o mundo tomou conhecimento da tragédia.
Populares revoltados e indignados acreditaram que todo o mal provocado por Katrin mesmo depois de morte foi fruto de influências de sua mãe.
Uma grupo munido com pedras e tochas invadiu a casa de Enila no dia seguinte a morte Kur, agrediram a pobre mulher e atearam fogo na humilde residência. Enila presa e indefesa morreu aos gritos com o fogo dolorosamente possuindo seu corpo.
Algumas amigas tentaram impedir, mas foram agredidas verbalmente sendo acusadas de cumplicidade, todas elas assustadas correram e nunca mais foram vistas pela cidade.
Santem viveu momentos de pesadelo naqueles dias, Enila foi morta sem piedade e os responsáveis nunca foram punidos.
Após horas de espera o corpo de Kur foi removido, mesmo com buscas por todo o prédio seu coração não foi encontrado.
A câmera de Kur foi recolhida por Telman, um amigo, longe dos olhares investigativos das autoridades e posteriormente levada para sua casa na cidade de Estina, vizinha de Santem.
Muito se falou desde 1948, mentiras e mais mentiras foram ditas, mas uma única lenda se sobressaiu, tida como verdade, essa lenda distribuiu ao mundo o conto de que uma foto teria sido registrada, de fato foi, mas nunca ninguém teve acesso a não ser seu amigo que amedrontado nunca teve coragem de revelar o filme da câmera que permaneceu intacta em cima de um guarda-roupas antigo e não utilizado que ficava nos fundos da casa.
Telman se fechou em seu mundo e perdeu o contato com todos seus colegas de Santem, assustava-se cada vez que alguém citava o acontecimento ou até mesmo a lenda de Katrin Malen.
Os jornalistas que tentaram investigar o caso pouco descobriram sobre o mistério. Telman que isolado em outra cidade, recusava-se a atender qualquer pessoa, continuou vivendo de obras de artes, técnica que aprendeu com Kur.
Estina, Indonésia 1975
Telman já não lembrava a todo o momento da morte de Kur em 1948, mas suas obras tornaram-se obscuras e poucas eram vendidas. Telman faleceu em meio à miséria, poucas coisas mudaram ao longo dos anos em sua casa e a câmera de Kur continuava intacta.
O motivo de sua morte foi uma parada cardíaca sem qualquer explicação aparente enquanto finalizava seu último quadro, uma pintura nebulosa de uma boneca que parecia ser segurada por uma mão branca e jovem.
A notícia logo se espalhou, pois Telman era bem conhecido apesar de sua aspereza com as pessoas.
Faila, uma das jornalistas envolvidas na investigação de 1949, tomou conhecimento e seguiu para Estina em busca de algo que pudesse quebrar de uma vez por todas as lendas que rondavam a morte de Katrin Malen.
Dois dias depois os móveis e todos os bens de Telman começaram a ser retirados da residência e levados para um leilão da cidade.
Faila agora era uma jornalista muito bem sucedida e com uma boa quantia em dinheiro conseguiu arrematar a tão sonhada câmera e algumas das últimas pinturas de Telman.
A câmera de Kur estava embalada e muito bem protegida por um saco plástico ainda recoberto de pó mesmo após a limpeza realizada.
O que mais interessava Faila era o filme que permaneceu intacto por todos estes anos, mesmo sabendo do risco de estar estragado e nunca mais o mistério da morte de Kur ser revelado.
Faila recorreu a um amigo que possuía um estúdio módico de revelação em sua residência. Sabendo da importância do material Faila preferiu revelar cada foto pessoalmente e levá-las para análise em sua casa.
Faila assim o fez, preferiu nem observar as imagens, logo que ficaram prontas foram guardadas em uma pasta.
No caminho para casa Faila sentia fortes dores de cabeça, como nunca havia sentido antes, era algo que a incomodava demais e parecia que seu organismo estava cansado, como se tivesse praticado longas horas de exercícios físicos.
O relógio marcava 11 da noite, Faila finalmente analisaria as fotos tão misteriosas que há anos foram julgadas como lenda, muitos diziam que elas teriam sido reveladas e que uma estranha presença poderia ser vista nas imagens.
Tudo que era dito não passava de mentiras criadas por contadores de história. Nem a morte de Kur havia sido esclarecida.
Faila sentou em seu escritório, onde as pinturas de Telman repousavam inclusive a tenebrosa imagem da boneca, sua última pintura e uma caixa com uma boneca que veio junto com os quadros.
Algo ainda a incomodava, estava livre da dor de cabeça, mas o sentimento de cansaço permanecia.
Uma a uma as fotos foram analisadas, a nitidez já não era das melhores, muitas estavam borradas e infelizmente não poderiam ser identificadas.
Ao chegar às últimas imagens, que estavam boas, mas que em sua maioria revelavam apenas registros do prédio do Hospital, Faila teve um choque ao se deparar com a fotografia de Kur em frente ao espelho: com uma mão segurava a câmera e com a outra parecia abrir um buraco em seu peito. Apesar de a foto ser em preto e branco era possível notar o sangue em sua camisa branca.
Faila sentiu-se mal naquele momento e retirou-se do escritório, não acreditava que Kur teria se suicidado, era terrível imaginar a dor e os motivos que o levaram a fazer isso.
Após alguns minutos e vários copos de água, Faila retorna ao seu escritório e busca incessantemente pela foto que parecia ter sido tragada, misteriosamente desapareceu em meio a tantas outras folhas que permaneciam sobre a mesa.
Faila intrigou-se e resolveu dormir, pois ainda estava em choque com o que viu e principalmente com o mistério que acabara de desvendar.
Em seu quarto sentiu um estranho cheiro de fumaça, repentinamente um forte vento soprou do lado externo da casa, fazendo com que a janela emanasse fortes ruídos. A ventania logo foi possuindo a residência pelo lado de dentro até que um estrondo veio do escritório.
Faila assustada, cautelosamente caminhou para ver o que tinha acontecido e se deparou com o quadro de Telman, o da boneca, caído no chão.
Por alguns rápidos instantes seu olhar fixou-se na pintura, algo a chamava para dentro daquela estranha obra, já sentada no chão ficou paralisada com os olhos trêmulos, suas pupilas lentamente foram se dilatando, suas mãos incharam rapidamente, sentia-se sufocada, desesperada tentava se levantar, mas acabou caindo no chão do escritório.
Tentava emitir um grito de socorro, mas nada conseguiu fazer a não ser agonizar já sem reação alguma a única coisa que pôde ver foi um estranho vulto vagando pelo corredor, aparentemente uma menina. Deste ponto em diante nada mais viu a não ser a sombra da morte encobrindo sua visão.
Faila deixou registros do que estava pesquisando, sobre a sua escrivaninha duas folhas escritas à mão permaneceram intactas.
Uma semana depois o corpo de Faila foi encontrado em avançado estágio de decomposição. Peritos constataram morte por infarto, algo deveria ter provocado esse incidente já que Faila sempre foi extremamente sadia e nunca sofreu de mal algum de saúde.
Em sua residência foi encontrada uma estranha boneca, aparentemente muito antiga, mas pouca atenção foi dada a este objeto.
A autópsia de Faila assustou alguns médicos legistas, que encontraram seu coração muito escuro bem diferente de um infarto normal, ele parecia estar carbonizado.
Mais lendas caíram sobre o fantasma de Katrin Malen, a conto da foto proibida se espalhou novamente, nada continha os comentários da população da Indonésia, muito menos a velocidade com que as informações eram passadas.
Anos se passaram, as fotos da câmera de Kur foram recolhidas por um museu local, os relatos que Faila escreveu se tornaram segredo guardado a sete chaves junto com o quadro da boneca e a boneca encontrada em sua casa.
Sua morte foi dada como natural e ninguém mais tocou no assunto.
Nova York, Estados Unidos 1995
Henry um jovem estudante das artes ocultas há tempos tinha conhecimento da Lenda de Katrin Malen e muito planejava sua ida para a Indonésia, a fim de resgatar os vestígios reais da existência da menina bem como as famosas fotos que ficaram trancadas em um antigo baú.
A boneca encontrada, por ser muito antiga ficou exposta no museu como peça de apreciação e desejo de colecionadores, por ser única e praticamente não existir qualquer outro exemplar como aquele no mundo.
De tanto desejar Henry juntou um alto capital com sua organização do Ocultismo e conseguiu todos os objetos que desejava inclusive a boneca, após meses de negociação o museu concordou em vender tudo, pois estava em estado lamentável e necessitava de verba para conseguir se manter por mais algum tempo e nesse período ninguém mais acreditava na lenda Katrin Malen.
As fotos, a boneca e os relatos de Faila chegaram a Henry quase um ano após seu pedido ter sido realizado.
As fotos já não mostravam mais nada, além de borrões escuros e manchas estragadas pelo tempo e má conservação, apenas a de um corredor vazio focalizando uma porta estava em bom estado.
A boneca encontrada na casa de Faila permanecia da mesma maneira, trajando um vestido branco, cabelos longos e louros de tamanho médio e seu corpo era composto por um pano macio, o enchimento parecia não ser dos melhor e já não exalava um bom odor devido a idade.
Vasculhando entre as linhas daqueles papéis que um dia serviram de anotações a Faila, Henry descobriu o que uma das fotos mostrava. Faila descreveu com riqueza de detalhes a foto em que Kur se suicidava.
Faila explicou como adquiriu os objetos estranhos e um dos parágrafos citava que a boneca estava ao lado de Kur no dia de sua morte e que havia sido recolhida junto com sua câmera permanecendo guardada na casa de Telman e posteriormente comprada por Faila no leilão.
Henry era perito em artes gráficas na época e desejava coletar o material, realizar seus estudos e posteriormente concretizar suas conclusões com imagens e ilustrações de todos os acontecimentos desde o grande incêndio do hospital de Santem.
Com o passar dos dias Henry ficou fanático pelas buscas, queria de todas as formas encontrar uma resposta para a morte de Faila e principalmente desvendar o que poderia ter levado a morte de Faila.
Um mês se passou, Henry afastou-se de seu grupo de ocultismo e se dedicou em tempo integral a buscar informações sobre o passado de Katrin e todos aqueles que tentaram descobrir sua verdadeira história.
Henry morava sozinho, seu pai e mãe eram falecidos, a casa dele era repleta de artefatos religiosos e símbolos místicos o que tornavam o ambiente assustador para algumas pessoas.
O ano já era de 1996, Henry pouco saia de casa e dedicava todo seu tempo livre ao ocultismo, já havia abandonado a pesquisa sobre Katrin Malen até que em certo dia descobriu em velho livro, um ritual utilizado para invocar espíritos perturbados. Era algo diferente de tudo que ele já conhecia, talvez fosse aquele ritual a resposta para todas suas dúvidas.
Assim Henry tomou a decisão de realizá-lo na noite de sete de janeiro.
O foco de Henry era invocar o espírito de Katrin Malen, e tentar obter as respostas que tanto desejava. Para isto acontecer o livro dizia que sangue próprio deveria ser oferecido ao espírito em questão.
Henry seguiu a risca tudo que foi pedido, dezenas de velas iluminavam o ambiente, sobre a mesa da cozinha permaneciam alguns objetos religiosos, umas folhas e uma caneta.
As horas foram passando e Henry não conseguia invocar a tão esperada presença de Katrin, até que em certo momento, sua mão involuntariamente escreveu uma mensagem no papel que dizia: “Regresso por aquele que faz o que um dia fizemos”. Sem entender bem Henry encerrou o ritual, mas permaneceu intrigado com a mensagem que escreveu.
Naquela mesma noite, estranhos ruídos foram escutados na cozinha enquanto Henry dormia.
O dia amanheceu nebuloso, ao caminhar em direção a cozinha Henry apavorou-se vendo que todos os armários de sua cozinha estavam abertos, era algo que nunca tinha acontecido antes, muito pensativo vagarosamente fechou cada porta, imaginando o que poderia ter causado aquilo.
Dias foram se passando, o comportamento e Henry parecia mais estranho, cada vez se fechando mais para o mundo. Seus amigos já não correspondiam, sempre eram retribuídos com agressividade, mesmo aqueles que contribuíram para a compra dos objetos da Indonésia.
Vinte e cinco dias transcorreram da mesma forma, diversas vezes Henry foi surpreendido por estranhos acontecimentos em sua residência. Suas criações digitais já não eram mais as mesmas, apesar de passar horas em frente a um computador, pouco criava.
Em uma noite muito quente, Henry tentava de todas as maneiras criar algo único em seu computador, mas os latidos incessantes de seu cachorro e único companheiro o incomodavam demasiadamente.
Instantes de muita fúria foram se sobrepondo, até que em determinado momento Henry parecia diferente, algo o deixava trêmulo. Vagarosamente levantou-se de sua mesa, as gotículas de suor já eram visíveis em seu rosto. Caminhou até a parte externa onde seu cachorro continuava a latir.
As veias do rosto de Henry, um rapaz loiro com pele avermelhada, estavam saltadas e seu olhar era de fúria para seu animal.
Ao seu lado direito havia uma caixa de madeira com uma barra de ferro acima, Henry agarrou essa barra com muita força e apontou em direção do animal que continuava a latir, mas desta vez olhando para seu dono.
Henry nada notou, mas no momento em que observava seu cachorro um estranho vulto de estatura baixa, roupas pretas e um olhar profundo o observava de dentro da residência.
Os ruídos do cachorro eram de medo e raiva, Henry ergueu a barra com toda a sua fúria e acertou a cabeça do animal num golpe fatal sem ao menos dar-lhe a chance de reagir.
Ainda não satisfeito Henry, demonstrou sua raiva cavando um buraco no peito do cachorro, colocando a mostra seu coração que jorrava sangue por todo quintal.
Após assassinar seu tão querido companheiro, Henry com as mãos repletas de sangue, soltou a barra e caminhou normalmente para seu computador sem notar a estranha presença o observando.
Em frente ao computador mesmo sem lavar as mãos, Henry manchava todo o mouse e escrivaninha. Um estranho desejo tomou conta de seu ser. Vasculhou suas gavetas até que encontrou a foto do corredor do Hospital de Santem, a única restante da série de imagens que Kur registrou. Mesmo com as mãos sujas conseguiu digitalizar aquela imagem.
Seu olhar era fixo na tela do computador, enquanto isso atrás dele a presença não notada que vagava por sua residência nada mais era do que o espírito da própria Katrin Malen.
Henry estava sob o poder de Katrin, sem notar a menina o observando ele começou a criar montagens em seu computador, sobrepondo diversas imagens sobre a foto corredor, inconscientemente Henry recriou com perfeição de detalhes a imagem do espectro de Katrin Malen, mas algo ainda faltava e com certeza era a boneca.
Em outra de suas bagunçadas gavetas entre os badulaques místicos a boneca vinda do museu da Indonésia foi retratada nas mãos de Katrin como se fosse enforcada por uma fina linha.
A obra digital ficou pavorosa, mas Henry estava certo no que fez. Uma voz baixa, pausadamente repetia para que aquela imagem fosse propagada, mais pessoas deveriam tomar conhecimento da existência de Katrin Malen.
Henry ainda permanecia com a boneca em uma das mãos enquanto disparava a tenebrosa fotomontagem pela então recente criada internet.
Katrin continuava observando as atitudes de Henry e quando o último clique foi dado, as mãos geladas, brancas e com aparência decomposta do espírito da menina morta repousaram sobre os ombros de Henry.
Henry sentiu suas mãos incharem, uma estranha falta de ar tomava conta de seu corpo sem saber ao certo o que estava acontecendo, viu sua visão cair na penumbra, seu coração acelerar e em minutos nada mais sentiu, faleceu em sua cadeira, caindo posteriormente com a boneca segurada firmemente em sua mão esquerda.
Katrin se afastou lentamente e na escuridão do corredor da casa de Henry, desapareceu com um sorriso fúnebre e sarcástico em sua face macabra como quem comemorava a conclusão de uma difícil missão.
Dias depois a casa de Henry é arrombada por policiais que vieram a pedido de vizinhos que sentiam um forte mau cheiro e notaram a ausência do jovem.
A cena era chocante e nada diferente da morte Faila, a boneca foi recolhida por uma das policiais que ferozmente a rasgou e dentro do brinquedo escondia-se vestígios de tecido humano apodrecido por décadas, mas tudo indicaria que aquele seria um coração.
Exames posteriores indicaram que o coração era de Kur, desaparecido e considerado um mistério até os dias atuais. Uma dúvida no ar ficou: - Como aquele órgão foi depositado dentro do brinquedo? Havia mais alguém naquele hospital além de Kur.
Investigadores buscavam mais vestígios dentro da boneca quando um pequeno diário envelhecido caiu na mesa.
Mary uma linda jovem policial pegou o diário e na sua capa o nome da proprietária era bem evidente: “Katrin Malen”